quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Alegoria da Caverna - 1EM



A alegoria da Caverna
Extraído e adaptado de: Platão, A República. São Paulo, Atena, 1956, p. 287-291.

Sócrates: Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação ao conhecimento e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em caverna subterrânea, que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos, de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que estão à sua frente. Presos pelas correntes, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que manipuladores de marionetes põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
Glauco: Imagino tudo isso.

Sócrates: Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
Glauco: Singular quadro e não menos singulares cativos!

Sócrates: Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
Glauco: Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.

Sócrates: E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver a outra coisa que não as sombras?
Glauco: Não.

Sócrates: Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?
Glauco: Sem dúvida.

Sócrates: E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?
Glauco: Claro que sim.

Sócrates: Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
Glauco: Necessariamente.

Sócrates: Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das correntes e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, além de ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
Glauco: Sem dúvida nenhuma.

Sócrates: Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
Glauco: Certamente.

Sócrates: Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?
Glauco: A princípio nada veria.

Sócrates: Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discernia bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.
Glauco: Não há dúvida.

Sócrates: Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
Glauco: Fora de dúvida.

Sócrates: Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações do ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.
Glauco: É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.

Sócrates: Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?
Glauco: Evidentemente.

Sócrates: Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuida que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?
Glauco: Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.

Sócrates: Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?
Glauco: Certamente.

Sócrates: Se, enquanto tivesse a vista confusa – porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade – tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
Glauco: Por certo que o fariam.

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